Justificação pela Fé
Por Joel Beeke
A justificação pela fé somente foi a grande revolução espiritual e teológica de Martinho Lutero. Ela não veio facilmente. Ele havia tentado de tudo, desde dormir sob o chão duro e jejuar, até subir uma escadaria em Roma de joelhos em oração. Monastérios, disciplinas, confissões, missas, absolvições, boas obras - tudo provou ser inútil. A paz com Deus lhe escapava. O pensamento da justiça de Deus o perseguia. Ele odiava a própria palavra "justiça", que ele cria fornecer uma mandato divino para condená-lo.
A luz finalmente raiou para Lutero quando ele meditou sobre Romanos 1:17, "Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá pela fé". Ele viu pela primeira vez que a justiça que Paulo tinha aqui em mente não era uma justiça punitiva que condena os pecadores, mas uma justiça que Deus livremente concede aos pecadores com base nos méritos de Cristo, e a qual os pecadores recebem pela fé. Lutero viu que a doutrina da justificação pela graça somente (sola gratia) através da fé somente (per sola fidem) por causa de Cristo somente (solus Christus) era o coração do evangelho e se tornava para ele "uma porta aberta para o paraíso...um portão para o céu".
A frase "justificação pela fé somente" foi a chave que abriu a Bíblia para Lutero. [1] Ele veio a entender cada uma destas quatro palavras em relação às outras pela luz da Escritura e do Espírito. Em outra parte este volume trata com três palavras das quatro da redescoberta de Lutero: justificação, fé, somente. Minha tarefa de expor o "pela" pode, à primeira vista, parecer elementar, mas ao redor dessa enganosamente simples preposição, o cerne do debate romanista-protestante tem sido travado. Façamos algumas perguntas e respostas pertinentes em relação a esta preposição crítica que servirão para ressaltar a relação da fé com a justificação. Consideraremos a preposição "pela" a partir de quatro perspectivas: primeiro, escrituristicamente, por meio de uma consideração do ensino básico da justificação pela fé, juntamente com as implicações exegéticas e etimológicas da preposição; segundo, teologicamente, lutando com o assunto da fé como uma possível "condição" da justificação; terceiro, experiencialmente, falando sobre como um pecador se apropria de Cristo pela fé; quarto, polemicamente, defendendo a visão protestante da justificação "pela" fé contra as visões do catolicismo romano, do arminianismo e do antinomianismo.
Primeiro, onde a Bíblia ensina a justificação pela fé e o que realmente se trasmite na preposição "pela"?
O Antigo Testamento afirma que a justificação é "pela fé". Da fé de Abraão, Gênesis 15:6 declara: "E creu ele no SENHOR, e foi-lhe imputado isto para justiça". Os católicos romanos têm tradicionalmente apelado para esse versículo para sustentar sua doutrina de justificação por obras capacitadas pela graça, mas nenhuma palavra é mencionada aqui de obras ou mérito. Antes, em Gênesis 15:6, Deus condece justiça a Abraão como um dom gratuito. Paulo confirma em Romanos 4 e Gálatas 3:6-14 que a justiça imputada (isto é, computada) de Gênesis 15:6 é para ser entendida em termos de "pela ou através da fé". O verbo hebraico em Gênesis 15:6 é também traduzido como "foi contado" em Romanos 4:3 (conforme Gálatas 3:6, que usa "contado" no texto e "imputado" nas notas marginais). Esse verbo, na maioria das vezes, indica "o que uma pessoa, considerada em si mesma, não é ou não tem, mas que é computada, tida ou vista como sendo, ou tendo". [2] É claro, então, que quando Abraão foi justificado pele sua fé, a justiça que lhe foi computada ou "creditada em sua conta" era uma justiça não sua mas de outro, a saber, a justiça de Cristo (Gálatas 3:16).
Mas a objeção pode ser levantada: a preposição eis como usada em Romanos 4:5,9,22 ("fé lhe é contada como justiça...fé foi imputada a Abraão para justiça...isso lhe foi também imputado para justiça") implica que o ato de crer é imputado ao crente para justiça? Nesses versículos a presosição grega eis não significa "em lugar de", mas sempre significa "com o objetivo de" ou "a fim de". Poderia ser traduzida "em direção a" ou "para". Seu significado é claro a partir de Romanos 10:10, "com o coração se crê para [eis] justiça" - isto é, a fé se move em direção do próprio Cristo e se apega a Ele. [3] J. I. Packer sumariza bem isso:
Quando Paulo parafraseia esse verso [Gênesis 15:6] como ensinando que a fé de Abraão foi computada para justiça (Romanos 4:5,9,22), tudo que quis que entendêssemos é que a fé - a dependência decisiva e de todo o coração na promessa graciosa de Deus - (vs. 18ss.) - foi a ocasião e o meio de a justiça lhe ser imputada. Não há sugestão aqui de que a fé seja a base da justificação. [4]
Expondo Romanos 4, Theodore Beza comenta:
Abraão não foi justificado, e feito o pai dos fiéis, por qualquer de suas próprias obras, nem precendentes nem seguintes de sua fé em Cristo, conforme prometido a ele; mas meramente pela fé em Cristo, ou em o mérito de Cristo pela fé imputado a ele para justiça. Portanto, todos seus filhos tornam-se filhos seus e são justificados, não por suas obras, nem precedentes nem seguintes de sua fé; mas pela fé somente no mesmo Cristo. [5]
Um segundo texto importante do Antigo Testamento que apoia a justificação pela fé é Habacuque 2:4: "o justo viverá pela sua fé", ou como alguns estudiosos querem ler, "o justo pela fé viverá". Paulo deixa claro que este verso, citado em Romanos 1:17, Gálatas 3:11 e Hebreus 10:38, é cumprido finalmente na justiça que vem pela fé no evangelho de Cristo, pela qual a própria lei nos ensinar a procurar (Romanos 3:21-22; 10:4). A explicação de Paulo sobre Habacuque inspirou não somente Martinho Lutero, mas a incontáveis outros crentes a colocarem sua fé numa justiça não deles próprios, mas naquela de Jesus Cristo, que é chamado "O SENHOR JUSTIÇA NOSSA" (Jeremias 23:6).
O Novo Testamento é abundantemente claro em afirmar a justificação pela fé: "a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que crêem" (Romanos 3:22). "Tu estás em pé pela fé" (Romanos 11:20). "De maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que, pela fé, fôssemos justificados" (Gálatas 3:24).
Mas se a Escritura claramente afirma a doutrina da justificação pela fé, qual é, então, a precisa relação da fé com a justificação? A resposta descansa no que é transmitido na preposição "pela". "Poucas coisas são mais necessárias para um correto entendimento do Novo Testamento" escreveu J. Gresham Machen, "do que um conhecimento preciso das preposições comuns". [6] Os escritores do Novo Testamento geralmente empregam três expressões: piste, ek pisteos, e dia pisteos. O Cristão é justificado "pela fé" (pistei ou ek pisteous) ou "através da fé" (dia pisteos). Por exemplo, pistei (o caso dativo do substantivo pistis) é usado em Romanos 3:28: "Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei". Ek pisteos é usado em Romanos 5:1: "Sendo, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo". Dia pisteos é usado em Efésios 2:8: "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus" (ênfase adicionada).
Cada um desses três usos tem sua própria ênfase ou significado especial. O uso do dativo simples (pistei) chama a atenção para a necessidade e importância da fé. O uso da preposição dia ("através" ou "por meio de") descreve a fé como o instrumento de justificação, isto é, o meio pelo qual a justiça de Cristo é recebida e apropriada pelo pecador para a justificação. O uso da preposição ek ("de", "como resultado de", ou "por") descreve a fé como a ocasião da justificação, embora nunca como a causa eficiente ou definitiva da justificação. [7]
É fundamental notar que em nenhum desses casos, nem em nenhuma outra parte da Escritura, é a fé (ou qualquer outra graça) representada como constituindo alguma base de mérito para a justificação. E isto é ainda mais notável quando alguém considera que dia com o acusativo significaria "com base em" ou "por causa de". Dessa forma, dia ten pistin transmitiria a noção de "sobre a base de ou ou por causa da fé", fazendo assim a fé ser a razão meritória da aceitação do pecador diante de Deus. Mas tal é a precisão da supervisão das escrituras do Novo Testamento pelo Espírito que em nenhum lugar um escritor pratica um deslize usando essa frase preposicional. Em cada ocasião a fé apresentada como o meio da justificação. A justificação pela fé somente nunca é justificação por causa da fé (propter fidem), mas sempre justificação por causa de Cristo (propter Christum), isto é, por causa da satisfação da justiça pelo sangue do Cordeiro de Deus ser graciosamente imputada e recebida por um pecador não merecedor (Gálatas 3:6; Tiago 2:23). No final das contas, a base da justificação é Cristo e Sua justiça somente. [8]
Na tradição reformada, vários termos ou expressões teológicas têm sido usados para captar esta relação bíblica da fé com a justificação. Por exemplo, a Confissão de Fé Belga (1561, Artigo 22) e a Confissão de Fé de Westminster (1647, Capítulo 11.2) denominam a fé como "apenas um instrumento" e "o único instrumento de justificação. [9] A fé não é um agente (isto é, uma causa eficiente), mas um instrumento (isto é, um meio) de justificação. Esse é o único meio do crente receber a justificação. Esse meio não é mecânico como a palavra "instrumento" infelizmente sugere; antes, esse meio é em si a obra salvadora do Espírito Santo através da Palavra pela qual um pecador é trazido à um relacionamento vivo e pessoal com o Deus triúno.
O Catecismo de Heidelberg (1563, Questão 61) declara que não existe "nenhum outro meio" (nicht anders) a não ser a fé pela qual a justiça de Cristo se torna nossa. Deus não ordenou que a fé fosse o instrumento da justificação por causa de alguma virtude peculiar na fé, mas porque a fé se esvazia e em si mesma não tem nenhum mérito: "Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça" (Romanos 4:16).
João Calvino compara a fé a um vaso vazio: "Comparamos a fé a uma espécie de vaso; pois a não ser que cheguemos vazios e com a boca de nossa alma aberta para buscar a graça de Cristo, não somos capazes de receber Cristo". [10] O vaso não pode ser comparado em seu valor ao tesouro que ele contém (2 Coríntios 4:7).
O puritano Thomas Goodwin usa uma linguagem forte e ativa: "Fé é olhos, e mãos, e pés, sim, e boca, e estômago, e tudo". [11] E o Bispo J. C. Ryle do século XIX escreve: "A fé salvadora é a mão...o olho...a boca...e o pé da alma". [12] Contudo, a fé vive pelo Pão Vivo somente, não pela boca que se alimenta do pão (João 6:35-58). O pecador é justificado pelo sacrifício de Cristo somente, não por seu ato de se banquetear ou crer naquele sacrifício pela fé.
Segundo, é correto chamar a fé de "uma condição da justificação", como freqüentemente tem sido feito?
Dado o sentido de "pela fé" no original grego, é mais acurado falar de fé como um instrumento do que uma condição da justificação e salvação, porque uma condição geralmente denota uma qualidade meritória por amor à qual um benefício é conferido. Somos justificados não meramente pela fé, mas pela fé em Cristo; não por causa daquilo que a fé é, mas por causa daquilo a que a fé se apega e recebe. Nós não somos salvos para crêr, mas por estar crendo. Na aplicação da justificação, a fé não é um construtor, mas um contemplador; ela não tem nada para dar ou alcançar, mas tudo para receber. A fé não é a base nem a substância de nossa justificação, mas a mão, o instrumento, o vaso que recebe a dádiva divina oferecida a nós no evangelho. "Assim como um mendigo, que estende sua mão para receber um pedaço de pão, não pode dizer que fez por merecer a dádiva que lhe foi concedida", escreveu Herman Kuiper, "também não podem os crentes afirmar que mereceram a justificação, só porque abraçaram a justiça de Cristo, graciosamente oferecida a eles no Evangelho". [13]
A distinção entre essas duas visões não é meramente semântica; é fatal considerar a fé como um pré-requisito que o pecador pode satisfazer por um ato de sua própra vontade para ser salvo. Num caso desse, o homem na realidade torna-se seu próprio salvador. Pior ainda, tudo depende então da pureza e força ou perfeição da fé do pecador. Ao contrário, a Escritura ensina que o que está em jogo é o próprio caráter da fé: a fé é uma obra do homem ou o dom de Deus? A questão é respondida decisivamente pelo Apóstolo Paulo: "Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nEle, como também padecer por ele" (Filipenses 1:29; veja também Efésios 2:8; ênfase adicionada). A justificação é recebida na forma de fé, visto que agrada a Deus justificar um pecador concedendo-lhe fé". [14]
Embora a fé seja o meio através do qual Deus opera a salvação, a fé não é e não pode ser uma condição humana - isto é, se "condição" implica mais do que a ordem necessária, ou o caminho de salvação. Se a fé fosse o fundamento condicional (isto é, meritório) da justificação, a salvação pelo mérito humano estaria introduzida, desonrando a graça divina e subvertendo o evangelho ao reduzi-lo a simplesmente mais uma versão de justificação pelas obras (Gálatas 4:21-5:12). Além do mais, visto que não podemos ser aceitos por Deus com uma justiça menos do que perfeita, nossa fé teria de ser perfeita. Contudo, a fé de ninguém é perfeita. Toda nossa fé é danificada pelo pecado. Nada em nós, inclusive nossa fé, teria possibilidade de obter sucesso como uma condição. A fé desconhece o mérito humano (Efésios 2:8), porque a própria natureza da fé é depender inteiramente do mérito e justiça de Cristo como "mais que suficiente para quitar a dívida de nossos pecados" (Confissão Belga, Artigo 22). Nós não somos justificados por nossa fé que é sempre imperfeita, mas pela sempre perfeita justiça de Cristo. Todas as condições de salvação devem ser e têm sido cumpridas por Jesus através de Sua obediência, tanto ativa como passiva, no estado de Sua humilhação (Romanos 5:19). A. A. Hodge observa, de forma sucinta:
"A fé justificadora termina em Cristo, em Seu sangue e sacrifício, e nas promessas de Deus; em sua própria essência, portanto, envolve confiança, e, negando seu próprio valor justificador, afirma o mérito único daquilo em que confia" (Romanos 3:15-26; 4:20,22; Gálatas 3:26; Efésios 1:12-13; 1 João 5:10). [15]
Alguns teólogos reformados, contudo, têm chamado a fé de uma "condição" num sentido não meritório. Robert Shaw comenta sabiamente sobre isto:
Alguns dignos teólogos têm chamado a fé de uma condição, os quais estão longe de ser da opinião de que ela seja uma condição propriadamente dita, um desempenho pelo qual os homens devessem, conforme o pacto gracioso de Deus, ter direito à justificação como sua recompensa. Eles meramente pretendiam dizer que sem a fé não podemos ser justificados - que a fé deve preceder a justificação pela ordem do tempo ou da natureza. Mas como o termo "condição" é muito ambíguo, e calculado para enganar os ignorantes, deve ser evitado. [16]
Robert Traill é até mais vigoroso: "A fé em Jesus Cristo...no ofício da justificação, não é nem condição nem qualificação...mas no próprio ato é uma renúncia de todas as pretensões semelhantes". [17] O próprio ato de fé pelo qual recebemos Cristo é um ato de renúncia total de todas nosas próprias obras e justiça como uma condição ou base de salvação. Como Horatius Bonar profundamente comenta: "A fé não é obra, nem mérito, nem esforço; mas é o cessar de tudo isso, e a aceitação em seu lugar daquilo que um outro fez - fez completamente, e para sempre". [18] E John Girardeau observa: "A fé é um vazio preenchido com a plenitude de Cristo; é a impotência descansando sobre a força de Cristo". [19]
Mas a objeção pode ser então levantada: se a fé é essencial a medida que somente ela une um pecador a Cristo, mas a fé não é condicional em qualquer sentido meritório, é apropriado ver a fé como a "mão" que recebe Cristo? Não está sendo atribuída alguma capacidade ao homem natural por meio dessa metáfora? Visto que a fé é sempre tanto dom de Deus (Efésios 2:8) como obra de Deus ("Jesus respondeu e disse-lhes: A obra de Deus é esta: que creiais naquele que ele enviou" [João 6:29]), como pode a fé ser designada como uma "mão"?
De fato, o homem natural não tem nenhuma capacidade de estender a mão para aceitar a salvação de Deus em Cristo. O homem natural está morto em delitos e pecados (Efésios 2:1). Ele nunca "aceitará Cristo" de seu próprio livre-arbítrio (Mateus 23:37; João 5:40). A Escritura ensina que um pecador não se move primeiro em direção a Deus, e sim que Deus primeiro se move em direção ao pecador para uni-lo com Cristo pela fé, porque um pecador nunca por sua vontade ou desejo se volta para Cristo em fé (Romanos 9:16). Mesmo quando atormentado com os terrores do juízo divino, o homem natural não pode ser persuadido a fugir para Deus pela fé salvadora para salvação (Provérbios 1:24-27). Mas na regeneração o Espírito Santo concede o dom de uma mão vazia e viva que não pode se voltar para nada a não ser para Jesus. "Mas a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem no seu nome, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus" (João 1:12-13; conforme Salmos 110:3).
A fé não é chamada de mão porque trabalha ou merece justificação de alguma forma, mas porque ela recebe, abraça e se apropria de Cristo mediante a imputação divina. A fé não é uma mão criativa, mas uma mão receptiva. Como Abraham Booth observa: "Portanto, na justificação lemos da preciosa fé na justiça de nosso Deus e Salvador Jesus Cristo (2 Pedro 1) e da 'fé em Seu sangue' (Romanos 3:25), e os crentes são descritos como 'recebendo a reconciliação' e recebendo 'o dom da justiça' (Romanos 5:11,17)". [20]
A fé é passiva na justificação, mas torna-se ativa ao aceitar Cristo quando Ele é oferecido ao pecador. [21] Na verdade, quando Cristo é dado, a fé não pode deixar de ser ativa, motivando o crente a alegrar-se na justiça imputada de Cristo com alegria espiritual e profunda. Todavia, essa alegria não pode gloriar-se de nenhum mérito humano, pois não é a mão em si mesma que produz alegria e enriquece, e sim o dom recebido pela mão da fé, Jesus Cristo.
A mão da fé graciosa e incondicionalmente recebe e descansa somente sobre Cristo e Sua justiça. A fé tem vida que sai de Cristo, em quem toda nossa salvação se encontra (João 15:11-7). Como B.B. Warfield apropriadamente sumariza:
É do seu objeto [Jesus Cristo] que a fé deriva seu valor...O poder salvador da fé, dessa forma, não reside em si mesma, mas no Salvador Todo-Poderoso em quem ela reside...Não é a fé que salva, mas a fé em Jesus Cristo...Falando estritamente, não é nem mesmo a fé em Cristo que salva, mas Cristo que salva através da fé. [22]
Terceiro, como é aberto espaço na alma para a fé fazer sua apropriação de Cristo? De que maneira a fé se apropria de Cristo e Sua justiça experiencialmente? Qual é a marca de tal apropriação?
O conceito de receber Cristo pela fé, raptado em nossos dias pelo arminianismo, precisa ser recuperado até mesmo pelo púlpito reformado. Muitos cristãos reformados sinceros têm medo de falar em "receber Cristo" simplesmente por causa da maneira falsa em que evangelistas modernos descrevem tal recepção (isto é, como um ato do suposto "livre-arbítrio" do pecador para cumprir uma condição para a salvação). Crendo que de algum modo parece errado e "arminiano" receber Cristo, fica inibida sua resposta ao evangelho com liberdade. [23]
Negar que a fé seja o fundamento da justificação não é minimizar a fé nem a necessidade de receber Cristo pela fé pessoalmente. Embora a Escritura nunca atribua mérito à fé em si mesma, ela estabelece inequivocamente a necessidade da fé (Hebreus 11:6). A graça soberana da justiça imputada de Cristo deve ser pessoalmente recebida pela fé, se é para um pecador ser enxertado ou incorporado em Cristo (João 3:36; Romanos 5:11,17). O Espírito Santo usa a fé para operar a graça soberana. Como G. C. Berkouwer declara: "O caminho da salvação é o caminho da fé justamente porque é somente em fé que a exclusividade da graça divina é reconhecida e honrada...A fé não é uma competidora da sola gratia [pela graça somente]; mas a graça soberana é confirmada pela fé...Sola gratia e sola fide [pela fé somente], dessa forma, permanecem o tudo ser e tudo terminar do relacionamento entre a fé e a justificação". [24]
A fé é um santo mandamento, uma necessidade pessoal, uma urgência premente (2 Reis 17:14,18,21). Só existe fé ou condenação (Marcos 16:16; João 3:18). A fé é indispensável. John Flavel escreveu: "A alma é a vida do corpo; a fé é a vida da alma; Cristo é a vida da fé".
Pelo Espírito e pela palavra de Deus, a fé justificadora é uma graça salvadora que, primeiro, convence do pecado e da miséria; segundo, assenti com o evangelho de coração; terceiro, recebe e descansa em Cristo e na Sua justiça para perdão e salvação; e quarto, vive a partir de Cristo, que é a marca da fé apropriadora (Hebreus 10:39; Romanos 10:14; João 16:8-9; Romanos 10:8-10; Atos 10:43; Filipenses 3:9; Gálatas 3:11; conforme o Catecismo Maior de Westminster, Questões 72-73). Essas marca da fé são experimentadas na alma e exigem ser examinadas mais de perto, se é para averiguarmos as dimensões experimentadas do "pela" na justificação pela somente somente.
Então, a fé é uma graça experimental, convincente e esvaziadora da alma. Para me apegar a Cristo, entesourar Sua justiça, é preciso que eu perca minha própria justiça. A fé ensina a absoluta humildade, o total esvaziamento de tudo dentro do pecador quando ele é visto fora de Cristo. [25] A fé significa um desprezo absoluto de tudo, exceto de Cristo. Para esse fim, a fé torna um pecador consciente da situação desesperada em que se encontra e do julgamento trágico que merece. O pecado deve se tornar pecado se é para a graça se tornar graça. Longe de ser uma obra de mérito, a fé é o reconhecimento do meu demérito, uma negação de toda esperança de mérito, um tornar-se consciente da misericórdia divina. Meus trapos imundos devem ser lançados fora; o caráter espiritual da lei que demanda perfeito amor a Deus e a meu próximo deve me condenar, se é para eu chegar a apreciar a beleza do Salvador que, pelos ímpios, obedeceu perfeitamente a lei em Sua obediência ativa, e suportou a penalidade do pecado em Sua obediência passiva (Romanos 5:6-10). Minha injustiça deve ser desvelada se é para ficar descoberta a justiça de Cristo (Salmos 71:16).